Taxa de Juros: e eu com isso?
- Daniel Meinberg
- 26 de abr. de 2010
- 7 min de leitura
(publicado originalmente em http://blogdodaniel.xpg.uol.com.br/0015.html)
Boa noite, pessoal.
Esta semana taxa de juros vai ser assunto. Na 4ª feira, tanto no Brasil o COPOM anunciará a nova taxa Selic (desde que na reunião passada decidiram manter a taxa eu passei a acreditar em alta de 0,75% nesta, vamos ver) quanto nos EUA o FED anunciará o novo (se é que podemos dizer que será novo, pois a expectativa por lá é de manutenção) juro básico da economia deles. E o Japão anuncia a deles na 6ª feira.
Se um anúncio de taxa de juros já incomoda muita gente, dois anúncios de taxa de juros no mesmo dia incomodam muito mais. Isso todos nós sabemos, e sentimos. Antigamente, quando nossa equipe econômica gostava de nos surpreender, tínhamos até TPC (Tensão Pré COPOM, uma analogia à TPM que muitas mulheres sofrem mensalmente – àquela época, as reuniões eram mensais, e não a cada 45 dias (42 ou 49 dias, a rigor). Mas porque isso acontece? Obs: estou falando da TPC, porque de TPM eu não sou louco nem de tentar falar, ok?
Para entender as conseqüências, é bom saber o que significa a Selic. Em termos práticos, aSelic é a taxa de juros que o Governo define como patamar para financiamento da dívida pública interna. Como a dívida interna brasileira não é pequena, 1% sobre o valor da dívida é muito dinheiro. É tanto dinheiro que dá até para antecipar umas parcelas do consórcio do meu Chevette! Não tenho os números exatos, mas uma notícia recente da Agência Brasil (Empresa Brasil de Comunicação) , publicada ontem a tarde pelo Twitter, informava que se o BNDES conseguir contratar novo empréstimo, a dívida pública superará R$ 1,5 trilhão, mais ou menos do mesmo tamanho do nosso PIB. Se não sabe, PIB é a soma de toda a riqueza produzida pela economia do país. Ou seja, tudo que todos os segmentos da indústria, do comércio, da prestação de serviço, e tudo mais você imaginar que nosso povo consiga fazer virar dinheiro – quase tudo, é verdade.
OK, mas isso é a dívida do Governo. E o que eu tenho com isso? Tudo! Ou quase, de novo... Em primeiro lugar, o que o Governo paga de juros é uma parte dos impostos que deixa de virar investimentos para você. Deixa de virar Bolsa Família e corrupção também. Se bem que corrupção... Sei não, vou colocar um parágrafo no final para te fazer pensar sobre isso. De qualquer forma, se tivéssemos uma taxa de juros nos patamares dos EUA (sonhar pode, não pode), em que estamos correndo o risco de superar 9% a partir de 4ª feira, enquanto a de lá orbita entre 0% (sim, 0! Rosquinha!) a 0,25% ao ano, poderíamos, pagar menos impostos, ter mais investimentos em saúde, educação, infraestrutura, etc., ter mais políticas assistencialistas, ter mais corrupção, ou tudo isso junto!
E, não é só isso! Com taxa de juros mais altas, você leva inteiramente grátis a desvalorização do seu imóvel (só para o mercado, ou seja, se você precisar vender: duvido que a sua prefeitura te dê desconto no IPTU quando a Selic sobe), o aumento dos juros de todas as formas de crédito (crédito consignado, cheque especial, crédito rotativo do cartão, etc.), a redução da atividade econômica, etc., tudo isso porque fica mais interessante emprestar dinheiro para o Governo, seja através de fundos de renda fixa, seja através de títulos públicos.
A redução do valor do seu imóvel decorre da relação natural de mercado: se eu consigo uma rentabilidade maior colocando a grana em renda fixa, se eu tenho um imóvel alugado vou querer elevar o preço do aluguel, ou vender o imóvel e aplicar o dinheiro. Vai tentar aumentar o aluguel alegando que a Selic subiu. Vai lá e me conta depois. Resultado: quem tem imóvel como investimento começa a vender para aplicar em renda fixa. E o valor dos imóveis corrige – o pessoal que atua no mercado financeiro adora este termo: corrige – naturalmente.
Creio que entender porque as diversas formas de crédito disponíveis para você ficam mais caras é relativamente simples. O raciocínio dos banqueiros é mais ou menos o seguinte: “se o Governo, que é o Governo, que te coloca para trabalhar por meses a fio só para pagar impostos todos os anos, está disposto a me pagar mais pelo meu rico dinheirinho, porque o Zé Mané que rala de sol a sol não vai pagar? Ah, vai. E vamos aproveitar que temos a desculpa do aumento da Selic para aumentar o spread também! Boa ideia!” Nem vou falar sobre spread agora para que você não fique com mais raiva.
Talvez seja natural também você perceber porque a atividade econômica cai com o aumento daSelic. Em primeiro lugar, o banqueiro não aumenta os juros só para a pessoa física: as empresas, que necessitam de financiamento para as diversas atividades, precisam reavaliar se podem continuar utilizando recursos de terceiros para financiar investimentos ou até capital de giro. E muitas vezes não podem. E tem empresa que não pode, acha que pode, e quebra. E tome desemprego... No raciocínio para avaliar se podem ou não continuar tomando emprestado, uma das primeiras coisas que passam pela cabeça do empresário é: se eu aumentar o preço o mercado vai continuar comprando, ou seja, o mercado vai aceitar o aumento? E tome inflação... O consumidor mais atento percebe que as coisas subiram, o desemprego está aumentando, e que o gerente do banco está oferecendo uma merreca a mais para ele deixar o dinheiro dele lá. Com isso, a TV 3D de 52 polegadas para assistir à final da Copa entre Brasil e Argentina se transforma em uma TV Ultra Slim de 26 polegadas para assistir à final da Copa entre Coréia do Norte e Venezuela. A Venezuela não vai à Copa este ano? Sem problemas. O consumidor deixa o dinheiro dele lá paradinho (mas ele quer que eu fale bonito: o dinheiro dele está lá INVESTIDO, rendendo menos de 1% ao mês), até a Venezuela conseguir se classificar para uma Copa.
Retração na economia, inflação, desemprego... Taxa de juros alta só me lembra coisa boa...
Como tinha prometido um parágrafo a respeito, pense comigo: se confirmado o empréstimo que o BNDES está negociando, nossa dívida pública deve superar R$ 1,5 trilhão. 1% da Selic, então,significam mais de R$ 15 bilhões anuais transferidos da arrecadação de impostos – que você pagou – para os credores do Governo. Para quem não sabe, os principais credores do Governo são os bancos, nacionais e estrangeiros. R$ 15 bilhões anuais, durante um mandato de 4 anos, e estamos falando (sem nem mesmo correção monetária) de algo superior a R$ 60 bilhões. Ou seja, 1% a mais na Selic supera com tranquilidade todo o custo com campanhas eleitorais para todos os candidatos a presidente, senadores, governadores, deputados – federais e estaduais – prefeitos, vereadores, síndicos do prédio, etc. Como, naturalmente, interessados em manter a política econômica, os bancos são também os maiores financiadores de campanha, pergunto: manter a taxa de juros neste patamar – somos a economia com maior taxa de juros do mundo! – não se configura como financiamento público de campanha? Olha, em momento algum eu falei que o Governo não reduz a taxa de juros para conseguir mais dinheiro para a campanha da Dilma ou do Serra, ou de quem se comprometa em manter a economia como está: se você chegou a esta conclusão, foi conclusão sua, ok?
OK, estou revoltado, sim. Nossa taxa de juros em níveis estratosféricos me revolta! Trabalhamos para pagar juros! Nosso suor vira juros. A Grécia, no auge da crise, se esperneou para pagar 8% de juros ao ano, por um período de 3 meses, para financiar dívida pública em situação de emergência. Se 8% é absurdo para quem está na pior, o que dizer na nossa taxa? Nós, que somos os bam bam bam, que só tivemos marolinha, que estendemos as mãos para salvar a Bolívia, o Haiti, a Venezuela, o Chile, Cuba e outros países amigos, e até empreendemos esforços diplomáticos para resolver definitivamente a questão palestina (o Brasil, com pouco mais de 500 anos de história, vai resolver definitivamente um conflito milenar! Parabéns, Brasil. Salve a seleção!) teríamos índices baixíssimos? Não! A nossa taxa é a maior do mundo. E nunca antes na história deste país a taxa de juros esteve tão baixa. Gente, não dá para aceitar que nossa menor taxa de juros da história, que viabilizou índices recordes de emprego voltem a subir, especialmente porque outros países, mesmo quando a crise está mais aguda, aceitam pagar nem mesmo um pouco menos do que para nós é o menor índice. Aos que acham que nossa economia vai muito bem, proponho que pensem como estaríamos se nossa Selicestivesse em 3% ou 4% há alguns anos...
Ah, o receio da inflação... É verdade! Vale tudo para ter a inflação sob controle! Todo o resto do mundo vive em inflação desenfreada? Devem viver, pois, afinal, se eles tem taxas de juros baixas, devem ter inflação alta, não é verdade? Por favor, temos alternativas ao aumento da taxa de juros. Por exemplo, podemos reduzir as taxas de juros e aumentar o compulsório dos bancos. Fazendo isso bem calibrado, poderíamos evitar um aquecimento do consumo, que impedindo um quadro inflacionário.
A verdade é que se reduzirmos a Selic e aumentarmos o compulsório dos bancos a FEBRABAN vai espernear. Talvez seja preciso voltar à questão dos financiamentos de campanha, dos compromissos de manutenção da política econômica, etc.
Não se esqueçam: se a dívida é aproximadamente do mesmo tamanho (se não for maior) do que o PIB, a taxa Selic está dizendo quanto do nosso trabalho está sendo confiscado dos nossos rendimentos (salários, inclusive) e convertido para pagamento de juros. Com a taxa orbitando se aproximando de 10% significa que a cada mês 3 dias do seu trabalho é para sustentar banqueiro. Admirado com os lucros recordes consecutivos dos bancos ainda? Para quem gosta de dicas, lá vão: CTIP3, SANB11, PINE4, BBAS3, BBDC4, ITUB4, ... Pelo menos um pouco disso volta pra você.
Abraços, boa semana a todos.
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