Stop e a queda das bolsas na quinta-feira
- Daniel Meinberg
- 10 de mai. de 2010
- 6 min de leitura
(publicado originalmente em http://blogdodaniel.xpg.uol.com.br/0027.html)
Boa noite, pessoal.
Acredito que todos os que leem este texto se lembram do que aconteceu no pregão de 06/05/2010, especialmente porque foi atípico e por estar muito recente. Na parte da tarde, com os mercados em queda, uma ordem de venda muito grande acabou de derrubar os mercados a pontos assustadores. Em determinado momento, o Dow Jones (índice da Bolsa de Nova York) caía quase 10%, recuperando em seguida. A explicação para isto foi que a ordem de grande volume a preço baixo começou a disparar stops em sequência, acionados de forma automatizada por sistemas computacionais. A partir do momento que o gatilho foi disparado, tivemos uma reação em cadeia, que culminou com a forte queda de vários papeis.
O incidente, que está sendo investigado, foi um erro tão estranho que a Nasdaq decidiu cancelar TODAS as operações com variação positiva ou negativa superior a 60%, realizadas em determinada faixa de horário (entre 14h40 e 15h, horário local) quando comparada à cotação do ativo às 14h40. Muita gente ganhou dinheiro com isso, mas acredito que a maioria perdeu, ainda que com o cancelamento executado pela Nasdaq: quem perdeu 59,9% em menos de 20 minutos, ou quem perdeu mais de 60% mas após as 15h, já era.
Para quem não sabe o que é stop, trata-se de ordens de compra ou venda que ficam em standby na corretora e são disparadas automaticamente se determinadas condições definidas pelo investidor forem atingidas. Por exemplo, um determinado papel está oscilando há algum tempo entre 10,00 e 11,00. Por algum motivo, o investidor acredita que o papel tem potencial para superar os 11,00 e continuar subindo mas, se romper o suporte em 10,00 tende a cair. Então, ele coloca uma ordem de venda condicional: se a cotação atingir 9,99, dispara a ordem de venda para a Bovespa. Como muitas pessoas agem da mesma forma, para assegurar que serão vendidos os papeis, a ordem funciona mais ou menos da seguinte forma: se atingir 9,99 colocar ordem de venda a 9,90, ou menos, dependendo do volume a ser vendido, e de características do papel.
A seguir, apenas para ilustrar, vou colocar um exemplo estupidamente simplificado do que teria acontecido na quinta-feira. Na prática, a coisa deve ter tido uma complexidade infinitamente superior, até para evitar condenações por manipulação de mercado:
- determinado papel estava oscilando entre seus 10,00 e 11,00 tranquilamente, até que, quando estava perto de 10,00, uma ordem “errada” determinou venda de um volume absurdo do papel, digamos, a 9,90.
- ao receber a ordem, a bolsa saiu executando automaticamente as vendas acabando com todas as ordens de compra, inicialmente a 10,00, em seguida a 9,99, depois a 9,98, até chegar a 9,90 (ou esgotar o volume de venda da ordem, o que no caso não aconteceu).
- ao iniciar a executar ordens a 9,99, stops com gatilho em 9,99 começaram ser disparados, algumas determinado venda até 9,98, outras até 9,90, outras até 9,80.
- ao iniciar a executar ordens a 9,98, stops com gatilho em 9,98 começaram ser disparados, algumas determinado venda até 9,97, outras até 9,90, outras até 9,80.
- assim aconteceu sucessivamente, até chegar às ordens com stop em 9,90.
- mas a ordem que começou o “efeito dominó” era tão grande que eliminou todas as ordens de compra até 9,90, e deixou um volume residual significativo, gerando uma barreira (resistência) para o papel voltar a superar os 9,90.
- as ordens disparadas pelos stop a 9,99 foram as primeiras a entrar no book de vendas. Assim, as ordens que tinham como gatilho 9,99, mas determinavam venda até 9,80 começaram a ser executadas, continuando a derrubada automática do papel. As ordens disparadas em 9,99 que determinavam venda a 9,95 não foram executadas, e ficaram no book, pois quando chegaram à bolsa o papel já estava cotado a 9,90.
- estamos com os stops cada vez mais baixos sendo disparados, e enviando ordens de vendas a valores também cada vez mais baixos. Digamos que, após a rodada de disparos automáticos, o papel tenha atingido 9,50. Tudo isto aconteceu em, no máximo, décimos de segundo.
Neste momento, os investidores que estavam acompanhando a cotação do papel na tela percebem que, sem que eles saibam a razão, o valor está desabando: em instantes já caiu 5%! Nesta hora, o emocional sequestra o cérebro do sujeito, ele nem pensa duas vezes: manda vender o papel a qualquer custo, sem procurar se informar o que aconteceu. Afinal, se ele for perder tempo para descobrir se a Grécia anunciou default da dívida, ou se a empresa pediu concordata, pode perder segundos preciosos e, quando retornar, o papel já estará em patamar muito inferior. E só enquanto você lia este parágrafo o papel já foi parar em 9,20.
Outros vão perceber que seu stop “não pegou”: o valor da ordem colocada estava muito próximaao valor do gatilho, e ele continua com o papel perdendo muito mais do que estava disposto a perder na operação. O mais rápido que ele conseguir, ele cancela a ordem que está no book, e manda a vender a qualquer preço para estancar seu prejuízo. Com isso, o papel atinge os 9,00.
Fase 3: o pânico toma conta do mercado. O sujeito que tinha deixado a ordem de compra a 9,99 há 2 dias, e que acabou de comprar a 9,99, percebe que está perdendo dinheiro, sem saber porque, e resolve vender. Urgente!!! E à medida que a cotação cai, mais stops vão sendo acionados, mais gente vai vendendo sem saber porque.
Cada vez mais, temos mais gente querendo vender a qualquer preço, e menos gente querendo comprar, pelo menos até entender o que está acontecendo. Lá se vai o papel, digamos, a 8,50, com desvalorização de 15% em instantes. Ninguém sabe ainda em que ponto isso vai parar. Será que ainda vai desvalorizar muito? E ainda tem mais gente vendendo do que comprando.
Fase 4: depois do papel ter despencado absurdamente, a racionalidade começa a voltar. Os investidores percebem que não teve nada de relevante, a Grécia continua negociando seu socorro, a empresa continua operando normalmente, e percebem que o papel ficou muito barato. E resolvem começar a comprar, com cautela, e o preço começa a subir a uma velocidade menor do que caiu.
Neste momento, o sujeito (ou empresa, ou sistema) que disparou a ordem que gerou o efeito dominó começa a recomprar os papeis em valores muito inferiores aos 9,90 que ele vendeu. Se tiver demorado a comprar (duvido!), recomprou, digamos, a até 9,00. Um lucrinho básico da ordem de 10%. Com isso, obtém um lucro absurdamente grande à custa de stops e desesperados. Poucos lucram muito, muitos perdem.
Você pode pensar: “ah, Daniel, 15% é exagero. O papel não vai se desvalorizar tanto assim...”. É? Então volte lá em cima no trecho que falo sobre a decisão da Nasdaq: todas as operações com variação superior a 60% (sessenta por cento) em um intervalo de 20 (vinte) minutos serão canceladas. Isto significa que temos pelo menos um caso de que, neste acidente, um papel que às 14h40 era negociado a, digamos, 10,00, nos 20 minutos subseqüentes chegou a ser negociado a ridículos 4,00. O índice Dow Jones caiu quase 10%. O índice cair 10% significa que a média ponderada da desvalorização dos papeis foi de 10%. Para isso acontecer, algunspapeis terão caído 20%, 30%, 50%, 70%, enquanto outros caíram 3%, 5%, ou alguns até subiram, pois em momentos como estes algumas pessoas fogem para papeis considerados defensivos.
Uma rápida explicação sobre os chamados papeis defensivos, para que você possa acreditar que em situações como esta é possível que alguns papeis reajam subindo a cotação: papeis considerados defensivos geralmente são aqueles de empresas com mercado consolidado, cativo, que tem pouca redução de demanda em momentos de crise. As empresas do setor de energia são bons exemplos. A redução de consumo de energia em momentos de crise é muito menor do que a redução de compras de imóveis. Isto faz com que as empresas do setor energético percam pouco faturamento enquanto o faturamento de construtoras, por exemplo, cai absurdamente. Naturalmente, os lucros de empresas do setor de energia, se reduzirem, diminuirão muito menos do que os de construtoras. Para dimensionar como a diferença é gritante, compare cotações de concessionárias de energia com cotações de construtoras entre maio e novembro de 2008.
Voltando ao assunto principal, particularmente, não acredito que a ordem que iniciou a queda tenha sido meramente acidental: é algo muito grande para ter sido obra do acaso. Os sistemas de disparo de ordens tem mecanismos para prevenir este tipo de “acidente”. Some-se a isto que a abrangência foi muito grande (não se restringiu a apenas um ativo, negociado em uma bolsa: foi geral e global) e principalmente que quem disparou a venda provavelmente recomprou em patamar muito inferior e, portanto, teve lucro absurdo. Não acredito, portanto, que tenha sido acidente, assim como não acredito que existam santos nesse mercado. Vamos aguardar as investigações, no entanto. Parafraseando o hit do momento, “bota a mão na cabeça que vai começar o MANIPULATION, tion o ESPECULATION...”
Bom, o texto já está muito grande. Amanhã à noite eu continuo a discussão, avaliando se vale apena utilizar stops.
Abraços, boa semana a todos.
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