Você investe em Título de Capitalização? Eu prefiro “investir” em Mega Sena
- Daniel Meinberg
- 25 de mai. de 2010
- 5 min de leitura
(publicado originalmente em http://blogdodaniel.xpg.uol.com.br/0040.html)
Boa noite, pessoal.
Pode parecer engraçado, mas estou falando sério! Loteria por loteria, prefiro apostar na Mega Sena. Os aportes são menores, e o prêmio (se Deus quiser) é substantivamente maior. Ainda, em termos relativos, tenho mais chances de ganhar num sorteio de Mega Sena do que num sorteio de título de capitalização.
Antes que você peça para eu não misturar investimentos com loteria, afirmo que quem está misturando é quem “investe” em título de capitalização. Aquilo é loteria disfarçada!
Título de capitalização é um produtinho fácil de ser vendido pelos bancos. Afinal, brasileiro não consegue fazer conta, como sabemos... O sujeito não calcula o juro que vai pagar quando entra no financiamento: ele só quer saber se dá para encaixar mais um novo papagaio no orçamento doméstico. Normalmente não dá, mas nem isso ele consegue perceber.
No caso do título de capitalização, eu consigo até imaginar a cena: o gerente do banco precisa bater a bendita meta e precisa enfiar título de capitalização desesperadamente. Joga o 171 (e aí a gíria “171” é quase perfeita – o artigo 171 do Código Penal é o que trata de estelionato) para cima do desavisado que sentou à frente dele. Conversa vai, conversa vem, o cliente (ou vítima, se preferir) percebe que dá para espremer para sobrar aquela graninha e vira INVESTIDOR! Danou-se!
O INVESTIDOR chega em casa com auto estima alta, vira para a patroa e dispara: “Amor, hoje tive uma conversa com o gerente do banco. Discutimos por muito tempo sobre as melhores alternativas de investimento no mercado e chegamos à conclusão que o melhor era um TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO.” A esposa, que até ontem tinha medo até de colocar dinheiro na poupança, porque há 20 anos o “gunverno” confiscou a grana de todo mundo, está radiante de orgulho do maridão! Já começa a se enxergar madame. A vida vai mudar! É, vai mudar mesmo... Nos meses seguintes – e muitos meses, diga-se de passagem – a renda familiar será sangrada pelo “investimento”. Os títulos mais comuns são de 12 ou 36 meses. E a multa para resgatar o montante antecipadamente chega a 10% do valor.
Com o passar do tempo, o bolo do investimento vai aumentando. Eventualmente, as restrições orçamentárias também. E o dinheiro investido começa a gritar lá do banco: “Olhe eu aqui! Resgate-me! Compre a TV que você viu no anúncio! Troque a geladeira! Vai ficar de carro velho mais quanto tempo? Esse negócio de investimento nunca foi contigo mesmo... Seu negócio é pagar tudo em suaves prestações sem juros, e no cartão...” Neste momento evoco o santo padroeiro dos endividados para fazer o sujeito ficar surdo por uns instantes, para que a coisa não piore para o lado dele. Mas a esposa, os filhos, o cunhado, e os demais olhos grandes de plantão também começam a ouvir os chamados do dinheiro do INVESTIDOR. Coitado do santo padroeiro dos endividados. Será que ele vai dar conta de todo esse serviço?
O nome “título de capitalização”, convenhamos, também ajuda na venda. Que jogada de marketing! Título é uma coisa que o cara passa o ano sonhando. Título do campeonato estadual, título do Brasileirão, título do campeonato de várzea. E, dependendo do time para o qual ele torce, o título de capitalização é realmente a única chance ter um título. Se bem que ele já tem o título de eleitor, mas só usa de 2 em 2 anos. Agora ele tem um que fica no banco! Que chique!!!
Capitalização vem para coroar esta jogada de marketing e diferenciar do título de eleitor. Afinal, eleitor o vizinho também é. Mas capitalização é palavra de capital. Capital é coisa de rico, de banqueiro. Se ele confundir o conceito, e imaginar que tem alguma relação com capital de estado, ou do país, não tem problema: deve ser coisa de bacana do mesmo jeito! Lugar de governador, de ministro, de presidente... É, daquele povo que gosta do outro título dele, o de eleitor. De qualquer forma, agora ele é bacana: é investidor, tem até TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO. Em breve estará milionário e vai entrar chutando a porta do chefe, subir na mesa, dançar o “Rebolation”, mandar uma banana e pedir demissão. Isto vale qualquer sacrifício!
Mas vamos voltar ao mundo real. Quem passa todo o período de duração do título fazendo os aportes consegue, ao fim do período, rendimento inferior inclusive ao de caderneta de poupança. Poupança rende TR + 6% ao ano e não tem taxa de administração nem nenhum outro desconto. Título de capitalização em geral apenas corrige o valor pela TR e ainda desconta taxa de administração. Se não conseguir esperar todo o período a coisa piora para o investidor: terá um percentual elevado de desconto na aplicação, refletindo em prejuízo. Vaisacar menos do que depositou.
“Ah, mas tem os sorteios...” Ah, então concorda que é loteria, né? Então tudo bem mas, voltando ao título do texto de hoje, eu prefiro a Mega Sena. Menos chances de ganhar mas, se ganhar, muda minha vida. Para melhor, espero.
A única coisa que vejo como positiva nos títulos de capitalização é incentivar as pessoas a pouparem, e tentar estabelecer esta disciplina. Considerando que cultura de poupança é algo raro no Brasil, consigo enxergar este ponto positivo no investimento. Mas mesmo assim é um incentivo meio atravessado. Nem sempre funciona. Aliás, raramente funciona.
Quanto a você, se quer de fato investir, trate bem o seu dinheiro: fuja de títulos de capitalização. Agora, se você não tem disciplina e a única forma que consegue juntar dinheiro é através destes títulos, tenha pelo menos em mente que sua indisciplina está te custando caro.
Vejam alguns dados da SUSEP (Superintendência de Seguros Privados, responsável por fiscalizar isto) referentes ao 1° trimestre de 2010:
- Patrimônio dos títulos: R$ 2,5 bilhões (uau!!!);
- Resgates pagos: R$ 1,6 bilhões (fluxo de caixa bem favorável para os bancos);
- Sorteios: R$ 133 milhões (a Mega Sena de fim de ano, sozinha, sorteou quase isso tudo, numa tacada);
- Número de participantes: 42,9 milhões (mais de 20% da população brasileira);
- Número de títulos: 427,7 milhões (média de quase 10 por participante!!!);
- Taxa média de administração: 15% (sim, quinze por cento! 15% de R$ 2,5 bilhões representam R$ 375 milhões, ou quase 3 vezes o montante sorteado, e não se esqueçam de, depois, somar o valor das multas para os casos de resgate antecipado);
- Imposto de renda caso seja sorteado: 25% do prêmio (pode chorar, eu deixo).
Quanto a mim, se meu gerente de banco me oferecer título de capitalização como alternativa de investimento estará me ofendendo e peço respeito. Afinal, quero um gerente parceiro, e não para me enganar. Se insistir, troco de gerente, de agência ou até de banco.
Já tive título de capitalização? Já. Mas a abordagem do gerente foi outra: ele era novo no banco, já o conhecia de tempos anteriores, desde quando trabalhava em outro banco. Não tentou me enrolar: chegou falando claramente que era fechamento do mês e precisava bater uma meta de venda do produto. Como o atendimento que tenho é primoroso, e tenho outras compensações – financeiras, inclusive – entendi que era a minha vez de fazer o sacrifício. Um valor pequeno, por período curto, suficiente para salvar a pele do sujeito, e que representou um percentual pequeno de perda, especialmente comparando com outros ganhos que tenho. Isto é parceria, é relaçãoganha-ganha. Em uma relação comercial de longo prazo não dá para se ganhar sempre. Aliás, em qualquer relação saudável é assim que funciona. Às vezes, é necessário perder um pouco agora para ganhar mais depois. Só uma situação assim para me fazer comprar título de capitalização.
Abraços, boa terça-feira a todos.
Posts recentes
Ver tudoHoje é dia de "pegar o elevador" para alugar melhor, mais rápido e mais tranquilamente seu imóvel residencial: testamos o app...
Você prefere ler um livro físico ou um digital? Para os que ainda não experimentaram, e para os que preferem o livro digital, espero que...
Ontem escrevi para o Educando seu Bolso algo relacionado à minha impressão de comprar um imóvel da Caixa, o que fiz no final do ano...